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Carlos Deiró

  • Foto do escritor: Marcello Caldin
    Marcello Caldin
  • 8 de dez. de 2017
  • 11 min de leitura

Curitiba sempre foi uma cidade cercada de muitos mitos e lendas e que foi construída através da criatividade de pessoas especiais. Isso é fato. Além desse horizonte, quando colocamos os nossos pés devidamente centrados no chão, descobrimos biografias que se misturam com a construção dessa cidade. Hoje, recebemos aqui no Blog, o Carlos Deiró, publicitário e cineasta carioca, que ao lado do Jaime Lerner, criou a linguagem visual durante a revolução urbana de Curitiba.

Deiró, seja muito bem-vindo ao Blog Filosofia Digital. Eu gostaria muito de entender, como você chegou até a escolha da Publicidade? Por que você foi buscar na Publicidade o seu caminho profissional?


"Eu tinha na década de cinquenta, quase no fim da década de cinquenta, um tio que começou a fazer muito sucesso, o Carlos Manga. Ele não era o meu tio na realidade, mas casou com a minha tia, a Inalda Carvalho, que era atriz e trabalhava nos estúdios Atlântida, no Rio de Janeiro. Então, quando a minha tia ia filmar e o meu tio ia dirigir, eu também ia nos estúdios Atlândida. Nessa época eu tinha nove ou dez anos e para mim, era tudo muito mágico porque eu via uma realidade, que me assombrava. Tudo tinha um fundo falso, cenários, as casas desmontavam e eu fui tendo contato com os grandes nomes, os artistas da época, como o Oscarito e o Grande Otelo."


"E isso tudo ficou na minha cabeça e eu fui crescendo e estudando. Eu sempre quis fazer algo relacionado com humanas, porque eu nunca me dei bem com exatas. Pensei em fazer Direito, mas estava começando no país um novo curso, do qual eu fui da segunda turma, chamado Humanidades e Comunicações, que tinha dois anos básicos e que você poderia optar por três especialidades, Jornalismo, Publicidade ou Relações Públicas. Eu prestei o exame na FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) em São Paulo e entrei."


"Eu escolhi fazer Publicidade porque eu sempre gostei de escrever, mas sempre com aquela coisa do cinema, porque eu sempre ia ao cinema por causa desses tios. Eu entrei nas agências de Publicidade para fazer estágio como redator e eu ia acompanhar as filmagens dos meus roteiros, e nunca ficava parecido com o que eu tinha imaginado (risos). Eu comecei a ficar com um pé atrás (risos)."

E como você chegou até os sets de filmagens?

"Essa história de ficar no set de filmagem é muito boa. Na época, nas agências de Publicidade, nós trabalhávamos em duplas, tinha um diretor de arte e o redator, então, sabe de uma coisa, eu vou arrumar um bom diretor e vou ser assistente dele, para que o meu roteiro, sai mais parecido com o que eu escrevi e para entender melhor. A gente rodava muito."



E o Jaime Lerner, quando ele entra nessa história?


"Eu conheci um cara na Globotec, que era um departamento de comerciais e documentários da Globo e eles começaram a migrar do 35mm para o VT. E isso começou a baratear muito as produções. Isso aconteceu em 1983, 1984. Eu comecei a pegar o jeito de fazer em VT. Esse cara da Globotec era daqui de Curitiba, chamava-se Lee Swain."


"Em 1985, ele me disse que ia fazer uma campanha política em Curitiba com o Jaime Lerner e me perguntou: Quer ir comigo? Viemos juntos para cá, mas dois meses depois, o Lee Swain recebeu um outro convite para fazer uma campanha de grande porte, no eixo Rio/São Paulo e então, eu passei a dirigir a campanha do Jaime Lerner, que era a campanha chamada de Coração Curitibano."

E como foi o relacionamento com o Jaime Lerner?

"Nós nos tornamos amigos. E aí, têm todos esses mais de trinta anos, que eu tenho de história com o Jaime Lerner. Nós perdemos essa eleição de 1985 para o Requião, mas o povo começou a sentir muita saudade da primeira gestão, que o Jaine tinha feito no passado e em 1988, teve aquela loucura da campanha dos doze dias, que ele ganhou a campanha para a prefeitura e assumiu em 1989."


"Nesse ano, o Jaime me chamou e me fez uma pergunta: Você não quer abrir um departamento de vídeo, aqui dentro da prefeitura? E ainda, completou: Eu tenho muitas ideias e quero transformar essa cidade. Eu quero o registro disso tudo."


"E aí, começamos na prefeitura com apenas três pessoas, eu, a Giselle dos Santos Lima, o Pedro de Oliveira e depois o irmão dele, o Paulo de Oliveira. Usávamos um VT U-Matic, câmera Ikegami e uma ilha de corte seco bem simples (risos). Começamos a fazer o programa De Olho na Cidade, que fazia um resumo do que acontecia durante cada semana. E isso, virava também o material publicitário da prefeitura. Quando era um material mais elaborado, a gente ia até uma outra produtora, mas no dia a dia era uma prestação de contas da prefeitura através de vídeos".


"Isso tudo se transformou em um arquivo fabuloso, porque registrávamos o antes, o durante e o depois das obras. Isso gerava uma credibilidade, porque as pessoas sentiam e viam nas ruas, que aquilo não era mentira. O Jaime fez de tudo nessa gestão. Ele fez Ópera de Arame, o Jardim Botânico, a Rua 24 Horas, o ônibus Bi-Articulado e o Ligeirinho e claro, a transformação do transporte público. Ele sacudiu a cidade inteira. Transformou Curitiba na cidade ecológica através da reciclagem de lixo e das usinas de reciclagem, mais parques."


"Lixo que não é lixo, não vai pro lixo. (risos). Esse foi um grande sucesso, as crianças ficaram animadas e foram justamente elas, que compraram a ideia da reciclagem. Foi ensinado nas escolas a questão da separação do lixo e elas levavam esses conhecimentos para os pais em casa. Cada casa em Curitiba virou uma pequena usina de reciclagem e a cidade atingiu um nível altíssimo de separação do lixo."



Você estava na hora certa e no lugar certo. E você pegou o começo de tudo.


"Sim. Todas as grandes transformações dessas últimas décadas, que Curitiba passou, eu pude ter a alegria de registrar e que viraram um modelo, uma referência de como fazer uma revolução urbana. São mais de vinte mil fitas (risos). Eu já digitalizei essas imagens, as mais importantes e transformei em arquivos digitais."



Eu sempre vi em você, a associação da linguagem visual de Curitiba.


"Mesmo depois do Jaime, eu atendi a todos os prefeitos de Curitiba. Veio o Cássio, o Greca e o Jaime virou governador. Em 1992, eu resolvi sair da prefeitura e abri uma empresa para poder atender além do governo, a iniciativa privada. Começamos a fazer filmes em 35mm para grandes agências e clientes."



A empresa criada em 1992, foi moldada através do ritmo de trabalho do Jaime Lerner?


"Com certeza. O Jaime é até hoje uma usina de ideias. Ele sempre se cercou de grandes profissionais, tinha os insights e fazia as coisas acontecerem em tempo recorde. O Museu Oscar Niemeyer ele fez em quatro meses. E por isso, que aqui na produtora, era sempre uma correria, as coisas aconteciam numa grande velocidade e nós tínhamos de acompanhar esse ritmo."


"A Renault estava indo para Minas e o Jaime entrou nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, e disse que iria trazê-la para o Paraná e ele transformou o perfil do estado depois disso. A gente era um estado eminentemente agrícola, que se industrializou rapidamente. Nessa esteira da Renault, vieram a Chrysler, a Volkswagen e os seus fornecedores. Isso mudou Curitiba e a transformou em uma cidade cosmopolita em quatro anos."

O Jaime Lerner participava do processo de criação dos comerciais para a televisão?


"Sempre. Ele tinha muitas ideias, participava e somava. Ele gostava muito, sugeria nomes para os programas do governo com as agências, participava das edições dos filmes. Ele sempre foi muito ligado nisso. Era um criativo, tanto que ele tem uma frase ótima: Quem cria nasce todo dia."



A sua produtora de filmes virou também uma grande escola, não é verdade?


"Sim. Nós já estamos no mercado há vinte e cinco anos e muita gente legal já passou por aqui, no começo das suas carreiras. Muita gente legal já nos ensinou muito também. Tem sido um aprendizado maravilho e com pessoas incríveis. Eu sempre tive muita sorte de me aproximar de pessoas de bom caráter e que vinham para somar, então muita gente passou por aqui. Foram tantas as pessoas maravilhosas, que eu fico até com receio de tentar nomear e de esquecer de alguém."


"Hoje com o avanço da tecnologia digital, as produtoras enxugaram muito a quantidade dos seus funcionários, mas nós já tivemos mais de cinquenta profissionais fixos, fora os que contratávamos como free-lance. Nós sempre promovemos muitos estágios também. Fazíamos cursos lá no Positivo (Universidade) com os alunos e muitos deles se tornaram profissionais hoje e inclusive trabalham ou já trabalharam conosco. Nós sempre buscamos estar perto do conhecimento."



Você também têm funcionários com mais de vinte anos de casa.


"Vinte anos ou mais. Isso é um motivo de grande orgulho para nós, porque são pessoas que vestiram a camisa e estão aqui juntos. Isso é um grande diferencial nosso na empresa. É uma empresa familiar basicamente, hoje eu tenho dois filhos trabalhando aqui (Thiago e Tomy) e algumas pessoas que vêem lá de trás juntos. A gente se fala por telepatia, é muito bom (risos)."


"E por incrível que pareça, o filme imprime isso. Quando você está no set e têm pessoas, que já têm a cultura da casa e naquele nervosismo, que é sempre aquela correria e prazos malucos, você ter pessoas equilibradas e que não deixam a coisa desandar. Estão ali há muito tempo e sabem fazer e também sabem dirigir clima. Têm pessoas-chave que trazem paz na confecção do filme. Isso tudo é muito importante."


"Quando você percebe que um filme não deu certo, pode estar certo, de que tem a ver com relações humanas. Algum conflito no set aconteceu para que aquilo não desse certo. Você sempre têm bons profissionais. Curitiba hoje é um celeiro e todas as grandes produtoras do eixo Rio/São Paulo estão vindo filmar aqui, mas o filme sempre imprime as relações humanas."



Os prazos dos filmes ainda continuam insanos?


"Tudo é para ontem (risos). As vezes o roteiro fica na mesa do criativo três meses e aí ele compra a mídia e quer que você faça o filme em uma semana. E a gente acaba fazendo. O que nos deu essa agilidade, foram as muitas campanhas políticas, que a gente fez. É fazer um documentário por dia. Programas de sete, dez minutos por dia e com qualidade."



A sua produtora já chegou aos vinte e cinco anos de vida. E quais os planos para os próximos vinte e cinco anos?


"Eu acho que eu não vou chegar a tudo isso (risos). Mas eu acho que eu vou deixar um legado, uma herança, porque até hoje o que escuto é que a produtora é significado de qualidade. Os clientes nos dão retorno disso e eu espero que os meus filhos (Thiago e Tomy) continuem isso, a manter essa excelência. Muitas vezes a gente paga pelo filme, não tendo retorno financeiro, mas não abre mão da qualidade. Isso sempre nos posicionou de uma forma muito legal no mercado."


"O Thiago, que é o diretor da casa, acabou de fazer um filme, chamado: Levante a Cabeça. Essa semana acabamos de rodar três filmes para a Frimesa, um para a Philco e outro para a Britânia. Apesar de nós termos nascido dentro do universo das campanhas políticas, a produtora está muito bem localizada nos filmes publicitários, tendo ganho diversos prêmios Profissionais do Ano. O Thiago ganhou um já com vinte e um anos. Ganhamos um Leão em Cannes esse ano."



O Brasil passou e ainda está passando por um momento político muito intenso. Como essa situação foi sentida pela produtora?


"O ano passado foi a primeira vez, desde 1985, que a gente se recusou a fazer uma campanha política, porque a gente não conseguiria entregar um bom material com o orçamento oferecido. Talvez a próxima, vamos aguardar para ver como as leis serão determinadas para a próxima campanha política, mas se não for para fazer bem feito, a gente não entra."


"Mas como é uma fase de transição até na política e como a gente têm no sangue essa história, a gente quer participar e vamos nos adequar a esta nova realidade. Têm bons nomes para o ano que vêm."



Qual a sua expectativa como cidadão para a próxima eleição?


"O meu medo é que a gente cai nas mãos de um salvador da pátria, de um aventureiro e que venha surfar nesse caos que está instaurado e que a gente caia no buraco de vez. Embora eu tenha muita fé, o votar é muito emocional e eu já vi coisas acontecerem como o Collor e outros que apareceram assim, como um fenômeno de mídia, então a gente pode correr esse risco de novo."



Como você poderia descrever a produção de um filme?


"A grande maioria das pessoas não sabem, que aqueles trinta segundos, foram horas e horas de pré-produção, reunião, bater o martelo no roteiro, começar a ver locação, objeto, figurino e quando você vai pro set, já têm tanta coisa pré-definida e ainda depois vem a pós-produção."



E qual a sua avaliação sobre a migração para as novas mídias?


"A Publicidade está sendo mais maleável e está migrando para a Internet, que não é tão rígida como a televisão aberta, que têm quinze, trinta, quarenta e cinco e sessenta segundo determinados para a sua exibição. Ninguém tem mais dinheiro para bancar dois minutos no Fantástico. As vezes, tem uma peça ou outra, mas se tornou uma coisa caríssima. E aqui é o futuro (apontando para o celular)."


"De repente, no celular, vamos ter várias telas e você vai poder produzir conteúdo e as pessoas ficam muito mais aqui (mostrando o celular) do que numa televisão. Várias vezes, nós fomos contratados para fazermos materiais, apenas para serem publicados no celular. Acabamos de fazer um agora com dois minutos. Eles estão veiculando para nichos específicos. Por exemplo, um Shopping, está saindo da televisão aberta e indo diretamente para as pessoas que estão no entorno e não precisa dar aquele tiro de canhão, no Jornal Nacional, para falar da promoção."



A linguagem para essas novas mídias é diferente da televisão?


"Não tenha dúvida. É muito engraçado, porque eu tenho uma neta e ela não sai da frente do computador e do celular e outro dia, ela me pergunto: Vô, o que é Faustão? Então, eles não têm mais contato com a televisão aberta, ou no máximo eles vão assistir desenho na televisão a cabo."


"Nas emissoras de televisão aberta, é a mesma situação do jornal impresso, a tendência é de evaporar. Na Internet, quando você deseja assistir a um programa, você o assisti na hora que você quer. Então, mudou muito. Mas na verdade, ninguém sabe o que vai dar certo no futuro."


De que maneira é possível decodificar uma pessoa? Ou ainda, entender o seu legado? Foi através dessas duas reflexões, que eu fui entrevistar o Carlos Deiró, na verdade buscando por mais algumas respostas pessoais e que estivessem dentro de um contexto profissional. Eu sou uma dessas pessoas, que tiveram a oportunidade de trabalhar ao seu lado, numa época em que vivíamos os anos dourados da película e das grande produções dos comerciais para a televisão.


Mesmo tendo como cenário a cidade de Curitiba e de seu revolucionário amigo, Jaime Lerner, ainda assim, a biografia desse carioca, que viveu a sua infância e adolescência no interior de São Paulo, na cidade de Araras, e a quem todos chamam apenas pelo sobrenome, o Deiró está muito além do seu próprio cenário e tempo.


Eu tenho a certeza de que ele não faz ideia do tamanho do seu legado pessoal e profissional e ainda, traduz a todos a sua volta uma intensa simplicidade. Ele sempre consegue imprimir em seus trabalhos uma identidade muito forte e que os curitibanos conseguem distinguir nas telas, através das belíssimas imagens. Se existe um forte sentimento de gratidão à revolução urbana, criada por Jaime Lerner, existe também, uma linguagem explícita que traduz tudo isso. Este é o legado do Deiró.


Talvez, denominar o Deiró como publicitário ou cineasta, não seja a decodificação correta e sim, como um grande tradutor de ideias, seja mais justo e correto. Ideias que se tornam imagens. Imagens que emocionam as pessoas. Pessoas que avançam em Curitiba. Existe uma lógica implícita em sua biografia.


A Deiró Moving Ideas é o berço das suas melhores realizações e não é mera coincidência, que a sua produtora seja nomeada dessa maneira.






Uma História de Sonhos, documentário dirigido pelo Deiró, mostra justamente essa simbiose com seu amigo Jaime Lerner, aonde a conjugação dos verbos sonhar e realizar, também se misturam de uma maneira curitibana. Aliás, a cidade de Curitiba, tem também uma maneira muito peculiar em misturar os seus mitos e as suas lendas.


Talvez tenha sido através de uma louca conjunção de fatores externos, inseridos em uma linha do tempo especial, que acabou por unir duas pessoas como Jaime Lerner e Carlos Deiró, mas muito além das transformações em qualquer tipo de mito ou de lenda, quando avançamos e entendemos melhor essa história, percebemos que quando tocamos os pés no chão, fica claro o tamanho dos esforços desprendidos por ambos.


Do meu ponto de vista particular, quanto mais eu aprendo sobre a sua biografia, entendo que já é mais do que hora de termos também, um documentário sobre o Deiró e sobre a sua obra, porque afinal, todos nós já fomos, somos ou ainda seremos, parte dessa história.


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